sexta-feira, 26 de novembro de 2010

As rosas não dormem

Antes de todo amanhecer eu me encontro, vestida de estrelas, com os olhos fechados ao ponto de que tudo posso ver, até eu mesma. Dos sonhos partem toda a parte do horizonte que eu caço, cato, busco como se eu pudesse tocá-lo com as mãos. A verdade é que não há nada mais terrível que o horizonte, porque quanto mais você se aproxima, mais ele se afasta. É duro ser um horizonte pra si mesma.
Desta forma eu encontro, numa série de palavras, o meu contraponto. Ao mesmo tempo em que eu escrevo tudo com essas mãos ainda tão frias, eu tento apagar coisas tão marcadas nas linhas que se fixaram ao ponto de serem intocadas, ocupando espaço demais em meio às outras palavras. É um negrito tão gritante, que me tortura em saber que um dia grifei essas palavras com tanta vontade de que elas fossem eternizadas.
Então você se encontra numa noite como essas procurando sinônimos para continuar viva. Você olha em cada esquina desses becos sem saída que são seus dias e se esquiva dos fatos como um morcego da luz. Não há descanso, meu bem, mas às vezes os dias ninam as noites.
Como se não bastasse a insônia, ainda preciso montar esquemas de esquecimento e arquitetá-los para serem infalíveis. É uma luta diária, é tão duro como ver brotar em você um espinho, perfurando sua carne, mas te fazendo um pouco menos inofensiva ao toque dos outros. Então eu me encontro segura ao ponto de não mais esperar que as dores e os sonhos resolvam entrar em comum acordo. Dessa forma eu descanso, em alerta, eu nunca durmo dentro de mim, não é seguro. Há um mar profundo nos meus sentidos, há uma areia movediça nas tuas defesas, haverá sempre uma linha entre nós que, ao ponto que nos separa, só nos une. Só não espero nenhum toque porque eu sei tanto sobre medos e jogos que sempre dou um jeito de me esquivar. É duro aceitar que você afasta as coisas. É inútil saber procurar sonhos dentro de outras pessoas, porque eles se vingam de nós. Não há vingança pior que a de um sonho não realizado.
Por ora, o importante é não esperar, planejar, arquitetar. O mais bonito dos sonhos é o fato de eles serem involuntários e espontâneos. O mais eterno de um sonho é o fato dele acabar, é a memória de quando se acorda e se lembra intactamente daquilo que só o travesseiro pode presenciar. O duro dos sonhos é que se precisa dormir para encontrá-los.
Ah, e esse café me dá insônia.

domingo, 14 de novembro de 2010

Chuva de verão

Faz parte de nós nos deixarmos de lado,
Esquecermos um do outro como eu faço
Como eu tento, como eu finjo.



Faz tempo que ele não soca as paredes do quarto
Não derruba meu porta-retratos
Não diz que quer viver sem mim.



Faz horas que chegamos ao fim
A verdade é que eu ainda continuo parada,
Há uma estrada nos seus olhos que me impede
De tocar seus lábios.



Quando eu começo com o violão
E você diz estar cansado, eu paro e tento.
Desvendando em cada nota os segredos que eu nem lembro
Aquelas velhas feridas que eu já não cuido.



E lá se foi a última gota d’água desses meus sentidos
E quer saber? Já não te sinto.
Sinto muito.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Caravela

Vinha ela, deslizando seus olhos sobre o mundo
Girava junto com a rota
Seguia a antiga rosa
Roubava a grandeza das nuvens num mero segundo.



Vinha ela, beijando o vento
Abrindo o braço num abraço entorpecente.
No seu movimento promovia ondas de encantamento
Mesmo que passasse num breve repente.



Vinha ela, linda e bela
Caravela.
Deitando sobre o mar de nossos olhos o seu esplendor.
Carregando junto com sua rota o pobre do nosso amor.



Vinha ela, como se já soubesse onde parar
Olhava para dentro da gente
Embarquei de repente
No fundo das águas desse olhar.