domingo, 19 de dezembro de 2010

Silêncio

Dói porque aos poucos se agita
Se esquece, se brinca
Se deixa pra trás.

Dói porque no fundo somos todos ferida,
Aguardando a saída,
Desses barcos no cais.

Dói se já não somos os mesmos,
Dos iguais que nós fomos
E deixamos de ser

Dói porque na calada da noite
Nossos olhos se esbarram
Para nos perder.

Dói se já não vejo seu rosto
Se já rompemos agosto nessa tarde linda,
Sem eu poder te dizer, mesmo em silêncio:

- Te amo, ainda.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Esferográficas

Carga falha. Palavras falhadas, palavras faladas, apagadas. Um breve rascunho de uma breve história contada por mim. Prendia fielmente por todas as noites meus olhos no espaço, visando encontrar as saudades que eu sentia um segundo após deixar seus braços. Ia pelo caminho passando e repassando cada segundo, como se eu pudesse reviver minha própria vida. Aquele caminho amarelo era tão curto para me trazer de volta. Em minha volta eu o via desde perto dos meus braços, até no alto das estrelas, sempre calado e cheio de palavras, sempre mudo dentro de seus longos diálogos. E eu sempre ouvindo demais as coisas que ele não dizia.
Então eu anotava. Graças à ausência de seus sons eu escrevia, trazia para as minhas mãos tudo aquilo quanto fosse mudo e gritasse. Trazia para as palavras o que você trazia para mim em silêncio.
Até o dia em que houve barulho. Eu nada ouvi e ai doeu. Quando as palavras começavam a saltar e a serem escritas pela sua boca de uma forma não decodificável, inaceitável, as minhas letras emudeceram. Pela primeira vez ficamos os dois em silêncio.
Então eu andei até chegar em casa. Sozinha. Abri o caderno e o peito e tentei corrigir o que eu construí da parte mais profunda de mim. Foi tudo tão raso, que meu alicerce não foi necessário.
Quando reli tudo quanto já havia escrito em uma noite, pude entender os grandes erros ortográficos que cometi. Que comprometi. Ah, tanta quebra de paralelismo semântico, tanto desenho bobo substituindo partes importantes que nos faria uma bela história.
Então fechei meus olhos e abri meu estojo.
E lá estava ela – não se misturava com as demais. Eu havia usado incessantemente desenhando corações espalhados em folhas em branco. A tinta da caneta não havia chegado ao fim, estava apenas falhada. Então eu coloquei-a de volta no estojo e escolhi uma qualquer que fosse, e comecei a escrever. Mas lá estava ela, presa, aguardando outras histórias serem escritas na sua frente, na sua fronte, na sua vez.
Não era a sua vez. Mas é certo que ela ainda me salvará um dia de algum apuro, me servirá para escrever o ponto final de tudo que eu mais penso em escrever.
Talvez eu não pense mais. Talvez eu seja uma louca pós modernista que não gosta de pontos, mas tenha vício em acentuação.
“Toda proparoxítona deve ser acentuada”. É a primeira da regra das acentuações, a primeira na vida das palavras. Depois dela, há a possibilidade de não haver mais acentos. As pessoas também acentuam as primeiras em suas vidas, a regra também vale para mim.
Era então a hora das horas passarem, e elas passaram, meu bem. As horas correram e cortaram os dias quase decapitando a minha cabeça. Eu me perdi nos dias, nas ausências e nas presenças. Eu descobri um mundo com palavras tão simples que chega a ser belo. Eu aprendi a não usar borracha, a fechar os olhos antes de escrever para não mais me prender nas linhas retas.
As palavras não têm importância pela forma, mas sim pela significação. A diferença entre honpont e amor fica apenas restrita numa velha escritora tão menina, que faz associações insanas a fim de concluir pensamentos abarrotados de sonhos.
A verdade é que eu aprendi a importância do meio sobre o conteúdo. De nada vale uma boa história sem sua esferográfica. De nada me valeriam as palavras se eu não as endereçasse para certos ouvidos. Hoje outros ouvidos me ouvem, outros olhos me lêem e me tomam inteiramente. Há uma outra buzina, um sol diferente, um outro país, outro continente, um outro outro. Um mar cortando a velha proximidade, que a gente faz de poça e se banha.
Vamos aproveitando outras cargas, porque o que nos fere é a sobrecarga de nós mesmos. Hoje não te sinto, nem te vejo, mas te escrevo na finalidade de que nunca me leia, porque, assim como as horas, eu passo rápido demais e já não tenho medo dos garranchos que vou deixando.
Se posso te guardar num verso antigo, que ele seja o mais lindo e o mais longe do meu ideal.


Honponto final.