domingo, 26 de setembro de 2010

Ventania


Esse silêncio já não invade as portas do meu quarto,
Dessa prisão fria em que estou condicionada,
A tua parede de lembrança congela esta minha falta
Ainda tão viva e quente em minhas mãos.

Calei-me pela pura ilusão de te pertencer,
De flutuar nas tuas ausências
Sempre que,
ao te ver,
já não te vejo.
Onde está você, desejo?
Há quem pertence agora?

Há um barulho aqui dentro – bate a porta do armário.
O teu vento acabou de passar por mim.
Mas ele já não desmorona, nem causa impacto
Só deixa as sementes do fruto do fim.

Deixa-me só com a lua,
Que eu te prometo fingir,
que no fundo de mim,
Ainda sou tua.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

No meio do caminho: você


 A espera em que me encontro tem este gosto doce
Do desencontro que me embala de sonhos tão longos
Como se o sono fosse capaz de espantar de mim
Os fantasmas de ti.

Dessa terra em que habito, teu pouso é raro
O deslizar do arco-íris no horizonte embala este soneto triste
Que compus na beira daquele rio a esperar
A deitar-me com o futuro que inexiste.

Pela névoa que cobre meus ombros
Pelas gotas da chuva que caem de meus olhos
Pelo vento que sai de minha boca aflita

Vejo-te de longe ao desembarcar na noite
Das constelações, pela estrela mais bonita.
Trouxe-me de volta à vida.

Aguardo-te, não tão longe
Na travessa que separa o tempo dos sonhos
Logo depois das cicatrizes da avenida.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Com dor


 Enquanto a gente cresce, desce, foge ri e chora. Enquanto a gente pinta, mente, esquece, finge e rola, tudo parece nascer subir e descer na sua hora.
Enquanto a gente planta a floresta de plantas daninhas, a gente rega aos poucos o futuro que descansa, pelas beiradas desse presente que levanta tão depressa antes mesmo de eu piscar.
Enquanto o sol brilha lá de cima, veja só sua colina de maldade triunfar! Enquanto a mão for curta para a ajudar nessa labuta a gente há de se ferrar! E quer saber? A gente gosta.
Enquanto a voz se ergue em pró do horizonte é possível ver o Condor lá de cima a voar, a gente pega carona em suas asas, as mesmas asas que cansamos de cortar. E quer saber? A gente erra.
Enquanto a gente desliza pelos lábios salgados do mar, o mesmo mar que a gente bota o futuro pra boiar, fazemos do agora todo nosso bem maior, cortando qualquer laço que nos prenda e que dê nó. E quer saber? Livre a gente ama melhor.

domingo, 5 de setembro de 2010

Conclusões adverbiais


Minha vida anda meio descontextualizada, tanto que meu cardápio esse mês foi um tanto indigesto. Minha nossa, está tão tarde que o sol já brota nas lacunas da minha persiana!
 É que os dias andam um pouco negros e com sabor de algo que eu não costumo comer. Gengibre, já tentou? Não, eu não costume gostar dessas coisas não-doces.
Ultimamente. Mas que maldita classe gramatical acolhe o ultimamente! Ultimamente eu só tenho tido olhos para espelhos turvos que refletem essa pessoa que me tornei. Existe uma queimadura no meu rosto que só eu vejo, do lado onde tu costumavas beijar. Só eu sei o quanto ela me dói!
Ultimamente eu me encontro sentada numa grama verde onde eu busco paz, onde eu tento de qualquer forma pensar apenas na grama verde, já que ao olhar para os lados, veja! A grama verde também faz parte de nós.
Sinto falta de nós. Sinto que aos poucos tu cortas o resto dessa casca de ferida que eu me tornei pra ti. Sei tão bem das tuas dores que não tive coragem de te curar, por saber que somente elas te fariam ser a pessoa que és hoje, graças a mim e a minha covardia. Hoje te aplaudo aqui desse chão imóvel, deitada, inquieta, tão quieta... Te vejo crescer como um planta, te rego de lágrimas todos os dias como se eu pudesse te ver tão grande que não terias jeito de fugir e terias que acabar invadindo minha casa com seus galhos e folhas. Ah, que pretensão a minha.
Você se tornou uma miragem, mas não tão bela. Nada de rio no meio do deserto, oásis perfeito, maná. Nada disso. És para mim hoje como um pão com mortadela na hora da fome, um Rivotril na hora da insônia. Eu não vivo sem esses meus vícios nos quais você vive inteiramente.
Ultimamente, troco os dias pelas noites, mas pago juros. Troco roupas e saio pelas ruas, mas ando nua. Enfraqueço-me de solidão, mas me abrigo tão fortemente dentro de mim mesma. Pasmo com o canto dos pássaros porque já não ouço vozes com freqüência.
A verdade é que, ultimamente, eu ando perdida num mundo que eu não canso de achar, descobrir. Cada passo, pé com pé, um na frente, outro atrás, cada andar sincronizado vai me deixando um pouco onde piso, e é ai que eu aprendo a seguir nos dias de sol escuro.
Porque o sol é dádiva, os dias são como marés. Amores são pássaros sem rota e meus passos são meus pés, apenas eu, falando um pouco de mim para o mundo.
Nunca temi o rumo nem o calor. Faço sol e sombra com o meu sorriso.