quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sobreolhares


 Eu tinha um bando de verdades que voavam para longe de mim, as minhas tão amadas borboletas, com suas asas coloridas, tão leves. Tão pesadas de mim.
Percorriam olhos, lugares, espaço, não deixavam rastros, me espalhavam por ai discretamente entre uma leitura e outra. Eu vivia nas palavras espalhadas pelas suas asas.
Existiam coisas das quais eu nunca saberia dizer, por mais que eu pensasse exatamente em como elas são, em como os olhos percorrem os outros, como eles se buscam, como eles se esbarram, como o tempo os perde. Eu não sei falar de olhos, acho que eu nunca acreditei em olhos que não fossem os meus. Mas a verdade, voadora ou não, escapada ou não, secreta ou não, é que essa vida sempre me deixou na beira do mar da janela, sempre olhando um horizonte paradisíaco de uma cidade suja, sempre me proporcionou as músicas tão mais lindas dentro dos ônibus cercados e abarrotados de gente. Eu sabia que no simples eu era plena, nunca tive essa tamanha intimidade com o simples como tenho agora, como venho aprendendo que, de fato, as borboletas não vão tão longe carregando as minhas, de fato, não tão verdades. E quem seria eu se não uma não tão verdade?
Era um desequilíbrio harmonioso este em que eu me achava, na verdade, me perdia! Era delicioso trepidar no vento, ameaçar cair... Perceber a leveza das palavras que sempre voaram comigo, na verdade, bem verdade, é que elas eram as responsáveis por me fazer voar. Às vezes eu batia na janela da intolerância, e outras eu tive que desviar das portas fechadas, há tanta gente que se esconde em teorias dogmáticas da sua própria vida, fecham-se ao simples e almejam uma felicidade semi pronta, estereotipada, como um prato congelado que fica três minutinhos no microondas e... Ah! Ai está sua felicidade instantânea, perfeita... Mas alguém precisava dizer às pessoas que o prato acaba. Que da mesma rapidez em que chega, ele se vai, e que felicidade é essa que tanto buscamos e que se vai? Felicidade se vai?
E então as palavras podem responder a mim que ela não existe. Que é tolo quem perde, entenderam? P e r d e  a vida em busca de perfeição, de infinidade. O que te torna feliz é o distrair. É o deixar, levar. Note-se. Olhe pra si e tente ver o mundo e, se esse mundo não é lindo como queria que ele fosse, conserte a si mesmo e quem sabe teus olhos estarão tão limpos que poderá ver por trás da fumaça uma nuvem, um sol, um dia quente, a chuva, as flores... Quem sabe seus olhos estarão tão limpos que verás teu coração vazio e procurará guardar esse mundo dentro de si. Não o torne feio, não se encha de algo que se denomina feio. Nós somos a felicidade que buscamos, dentro de uma certeza de que não somos meias verdades.
Eu continuo aqui me enchendo aos poucos de palavras, ou talvez me esvaziando destas... As borboletas voam e me deixam por ai.
Você pode me guardar um pouco?
  

Fuga

Esse amor que é de mentira
Eu já na sei mais desenhar
A superfície dos seus olhos
Eu já não sei se posso olhar
Deixa...
É assim que eu te vejo distante demais
Já não escondo esse desejo,
Ah, me deixa eu paz...
Moro na esquina,
Presa nessa ruína,
Já não encontro você no café da manhã.
Dizem que ando lenta, com a cabeça em outro plano
Mas eu perdi a minha reta, desfiz a minha meta
Ao dizer que eu te amo.
Chega de engano!
O teu sorriso já não me faz sorrir
Dentro dessas mentiras, não tenho saída
Me encontro perdida,
Por onde fugir?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Marítima

Lá vou remando na represa sem parar
Rodando a rota, movendo o mar
Lá vou levando meu barquinho devagar.

A sorte então naufraga aos poucos
Só vejo água, onde estará meu porto?
A vara anda curta demais para se lançar.

O mergulho é necessário,
Há de se buscar a vida no contrário
Ser feliz pode ser como pescar.

Jogando a isca,
Levanta as velas, se arrisca!

Vou ali soprar para velejar.

Enquanto a gente aprende


Lembrar, às vezes, dói. Pois bem, estava doendo tão brutamente agora quanto um soco na cara, uma mordida no lábio, uma torção de tornozelo. Tragam-me torniquetes, por favor? Um remedinho que me tire a memória e me traga sono, também...
Lembrar, às vezes, angustia. Além de doer, perfura. Mistura o pouco de lucidez que eu tenho e vai até o fundo da minha loucura, lá eu me descubro um alguém que já não me sorri no espelho.
E quando se lembra de um velho amor, dói, perfura e voa. A gente não cura, a ferida fica ali quieta, exposta com suas devidas moscas por cima. Perfura ao buscar alguém que já não simboliza o amor dantes, alguém que já não merece ser chamado de amor, não por qualquer falha humana que seja. A verdade é que o tempo nunca falha, mas também não apaga por completo.
E voa. Como nunca, como agora pouco voei tão longe que perdi a noção de espaço. Lá estava eu, burramente te esbarrando pelo braço, e tu pediste perdão como quem esbarra com um desconhecido na rua, tu já não sabes mais sobre quem eu penso.
Lembrar às vezes soterra. É tanta coisa vivida, tanto passado que nos cobre. Mas cuidado, quem está sempre coberto pode estar morto.
Eu regava todos os dias essa planta carnívora que eu plantei, mas que despropósito! Quando me vem a vontade de sumir a planta e morde aos poucos e eu sinto dor. Eu sou tão humana quando sinto dor! E eu estou sentindo dor agora e a culpa é minha que insisto em ver fantasmas por ai. Eles mentem, tão repugnantemente que eu me recuso a chorar de novo lágrimas envelhecidas do lixo que eu enfeitava e que, no fim, era uma puta mentira! Teu doce vôo de beija-flor onisciente não me encanta de forma alguma, por saber que, ao voar pra trás, tudo que vivemos foi uma bela mentira vivida a fio por mim.
Eu já não sei se sou capaz de regar as velhas plantas, nem de colorir o velho quadro, a verdade é que eu espero que cada dia passe mais depressa, eu tenho medo de cair no antigo jogo de novo... E eu espero, espero, eu nasci pra odiar essa espera.
Mas eu espero, eu espero...

domingo, 15 de agosto de 2010

Imensa pequeneza


Deixe que o acaso mostre toda beleza dos nossos dias, ando pelo mundo deslizando pelo seu chão tão quente, divertindo gente, eu sou a alegria que às vezes me falta.
Deixo-me sentir que hoje eu sinto muito pelo passado, eu deixo de olhar para o lado para olhar para trás, e como isso tem me feito mal. Sinto que agora, mais do que nunca, eu preciso manter meus olhos abertos e fechá-los para a ilusão, eu devo seguir em frente para manter a minha meta de chegar ao fim do dia e poder sorrir pro espelho.
Ando meio cansada, é verdade. Acho que desgastei minha própria vida, até minhas palavras parecem as mesmas, às vezes sinto que já escrevi tudo o quanto seria possível, e é nesta hora que me vejo tão pequena, apenas uma interlocutora frágil que nem sabe ao certo a verdade das suas rimas.
Preciso que me surja uma nova correnteza, que me mostre uma nova beleza, e eu deixarei que esta me carregue para onde quiser. Já não tenho pressa, mas estranho toda essa calma. Hoje se eu pudesse, de verdade, eu levaria os meus sonhos para passear pela rua, mas não esta aqui, desta aqui eu já me cansei.
Quantas vezes ainda eu vou precisar fechar meus olhos pra te enxergar? Eu já não quero sentir algo por alguém e me tornar mais um alguém que não passa de um ninguém. Eu me tornei um simples ninguém.
Mas se queres saber como me sinto, olha lá pro infinito, eu me sinto parte daquele horizonte que chora.
Doce e ínfima. Livre e completamente restrita. Tão viva e breve como a chuva lá fora.

domingo, 1 de agosto de 2010

Mobília



É que, naturalmente, eu tinha um poder leviano de perder as coisas. Não que eu não as quisesse mais, mas eu tinha um dom de escondê-las de mim quando eu mais precisaria delas. Amanhã não fará sol aqui e eu estarei empacotando minha mobília para a mudança e nada podemos fazer para evitar isso. Ficará o velho colégio onde, por inúmeras vezes, brincamos correndo e nos machucando, assim como fazemos uns com os outros até hoje. Teu olhar me diz adeus de uma forma que me corta a alma, a parte em três. Levo comigo apenas uma das partes.
Ouço a buzina, é o senhor da mudança. Lá se vão meus dias nesta casa que abriga centenas de cenas e reprises dos meus dias, todos enfeitados de fita crepe agora neste inverno frio.
Eu tinha uma grande necessidade de sumir das paredes, dos quadrados, das formas geométricas que nos prendem, mas eu sabia que a felicidade talvez coubesse num quarto.
Tão instantânea, eu não nasci pros limites nem para a espera. Meu passo era longo, mas curto. Sempre cheguei depressa, talvez seja por isso que não me dê tempo de segurar as histórias na mão, me contento com a mente apenas. E varro para todos os lados a poeira que eu mesma promovo do meu movimento, e varrer a casa todos os dias me cansa.
A gente costuma esperar que as coisas melhorem quando resolvemos mudá-las de lugar. Ninguém espera o pior, essa é a verdade. Mas então por qual razão eu ando esperando o pior de mim mesma, como se eu fosse pisar em falso outra vez? É sempre esta insegurança que ferra a minha vida.
A casa nova tem cheiro de algodão doce com tinta fresca, sabe como é? Acho que aqui moravam crianças, consigo sentir a inocência pesando o ar em cima de mim, quase me expulsando desse santuário de paz. Joguei as caixas com cuidado no chão e não quis abri-las. Vocês estavam lá encaixotados, todos vocês! Todo mundo é mobília, é peça, sofá, cadeira e estante. Todo mundo é um pouco de prato e copo. E não me perguntem o porquê disso, experimentem serem trocados de lugar ou serem limpos.
Eu estava me limpando e mudando de lugar, como se esse quadrado de tijolos fosse o responsável pela minha nova vida quando, na verdade, a vida é que a responsável por mim. E olha, sinto muito, mas eu quase não noto isso.
Subi um lance de escada e abri uma porta. Era meu quarto, nos reconhecemos de imediato. Então me joguei no chão e fiz um anjo na poeira. Lembrei-me de estar na praia ouvindo o som das ondas e fazendo anjos e amor na areia, mas isso ficou no verão passado.
O cheiro forte da mangueira do quintal me atraira até a janela. Abri-a, ela ringiu. Respirei profundamente assim como faço quando desejo trazer pra dentro de mim as coisas das quais não quero perder.
Ventava forte, os galhos iam e voltavam até perto do meu rosto. Consegue imaginar a dimensão do vento?
Era essa a minha vontade, ser forte e invisível, um pouco de vento lá fora.
Eu estava há duas quadras de onde nasci, mas aqui desse lado era primavera, e assim seria enquanto eu desenhasse as nuvens e o sol dos dias. Tenho dito.