sexta-feira, 28 de maio de 2010

Veleiro



A onda bate,
quebra na pedra.
As horas batem,
a falta aperta.
É inútil crer no tempo.

Há um talho, uma fenda,
Que deixa passar por dentro de mim uma luz estranha,
Ela me ganha e, por um só momento,
Traz-me paz.

Mas enquanto houver meu amor em movimento,
Ah! Desmanchei-me tanto pelo velho vento,
Hoje já não me importo em voar.

Deixe que a saudade se cale no momento,
Há um barco no mar. Ah! Quanto tempo...
Puseste meu coração mar a dentro.

Três semanas {música}


Já não esbarro nas horas,
E já nem sei se me lembro,
O teu portão enferrujado, o teu abraço apertado,
Teu jeito manso de quem nasce em setembro.

O teu andar distraído, o teu segredo no ouvido silenciou.
Eu já não ouço teus passos, já não rabisco em seus traços,
Mas sei que nada acabou.

Deixa eu descobrir como é viver.
Já não importa o quanto estamos distantes,
Teu retrato ainda junta poeira na estante,
O teu perfume ainda está no meu casaco listrado.

Não importa a sua falta de tempo,
Se bem me lembro, eu só preciso te guardar em mim.
E então assim,
Assim...

Sei que os dias vão nascer de novo,
Sempre farei parte desse jogo,
Deixa eu perder uma vez e te ensinar que eu sei muito mais sobre você.

Varre os cacos do passado para o lado,
Vem que o meu cigarro já está apagado
Deixa eu descobrir como é viver.

domingo, 16 de maio de 2010

Litorânea

Não há momentos em que me deixo levar,
Nas horas que batem, nas portam que fecham,
No tempo que corre e na maré que morre,
No vento que gela o meu calcanhar.
 Os dias, tão vastos, divinos pedaços da antiga peça inteira,
Do nosso grande espetáculo, o meu brinquedo de madeira,
O grande circo em que armei.
O teu retrato ali no canto a juntar poeira,
Meus versos queimam na lareira e, por vezes, eu também me queimei.
Sei que hoje, apenas hoje, me vê distante,
Mas saiba, eu te decorei.
O nosso futuro, ah...
É cavalgar bem mansamente pelas minhas palavras,
O teu presente são meus versos que estão apagados,
Deixe que as marés se encarreguem de espalhar nossa areia,
Ontem fui como sereia,
E hoje ando com os pés molhados.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Direito de resposta

É estranho demais ouvir alguém dizer que você possui um dom. Talvez não seria tão estranho se ele fosse cantar, pintar ou tocar algum instrumento. Dizer que você tem o dom de escrever é complicado, todo aquele que fora alfabetizado deveria se pôr neste quadro dos que possuem este dom.
Por vezes me questionei, será isso uma coisa boa? Que domínio é esse que se tem de fonemas que todos proferem sem o menor pudor, apenas me difiro em colocá-los num certo agrupamento, que, tantas vezes, não faz sentido para ninguém, a não ser para mim.
De fato eu não concordo com esse tal dom de escrever em que me atribuem. O ato da escrita é completamente natural àquele que sabe e conhece as letras e domina se quer as mais básicas técnicas do discurso. Entretanto, há tanto o que se dizer que voz alguma seria suficiente.
A análise é feita sem cálculos, sem métricas, não há uma forma ou um parâmetro a ser seguido, eu escrevo da forma em que vivo, tão naturalmente quanto respiro.
O meu dom, ou o que quer que seja, nasce muito mais dos olhos do que propriamente das mãos. Há um radar, uma antena, tudo banhado na mais pura sensibilidade de cada mínimo e minucioso detalhe, seja o dia e todo o seu caos, seja a noite e toda sua melancolia.
Meu pensamento é inquietante, intrigante e, contudo, irritante. Ele não se desliga, não descansa, trabalha arduamente como uma máquina louca que não pára de funcionar, que se questiona a todo tempo e que se maltrata... Ah! Quantas vezes eu preferi não pensar, não me martirizar com o mundo e suas incontáveis questões a serem resolvidas! De fato eu não nasci pára ignorar.
A minha pena não é mágica, o meu transtorno não tem cura e ele me maltrata sempre que pode, por querer dar nomes e títulos à coisas que ninguém no mundo saberia explicar. Eu tento talvez calar a minha voz com as letras, demonstrar no papel às vezes pode ser a única forma de se eternizar toda essa maré de sentimentos e questionamentos.
Escrevo para me salvar de mim mesma, para criar uma válvula de escape onde nada concreto sai, apenas abstrações tão volúveis quanto às teorias que eu menosprezo. Por vezes eu me calei.
Quando eu relutei contra esse “dom”, quando eu disse a mim que não mais escreveria a ponto de chorar, não mais traria o passado de volta resgatando-o nas palavras que eu mesma escrevo, aquelas mesmas que eu tanto me esforço para apagar, então eu percebi que não há dom que domine o pensamento, este dom da escrita nada mais é que a possibilidade de raciocinar e jogar nessas folhas em branco o que de preto e cheio está a mente, é deixar o cérebro para fora, pulsando como o coração, respirando como o pulmão, digerindo cada sentido como o estômago. O meu corpo pensa, escreve, e isto é peristáltico.
Por ora me resta o silêncio das palavras, este é o único ritmo em que sei dançar.
Quem me vê assim, tão quieta, não entende aquilo que grita o silêncio de um poeta.

Está certo então


Peguei no céu a cor azul
E trouxe aqui pra dentro de ti
Porque ninguém no mundo vai te amar
Como eu.

Deixa de sorrir por pouco
O teu tesouro acaba e sua insanidade vive.
Porque ninguém no mundo vai te amar.Como?

Empresta o teu olhar pra eu me guiar
Dê-me tua boca pra beijar
Porque ninguém no mundo vai te amar.

Sorria baixo para eu não escutar
O som da tua felicidade que não há!
Porque ninguém no mundo! Vai-te.

Claramente você vai se arrepender.
Não é praga alguma, é por prazer
Até porque
ninguém no mundo...

Sabe mais de mim que você.
Sabe que saber já não é nada.
Porque ninguém...

Vai te amar
Em todo mundo
Como eu.
E nenhuma madrugada terá breu.
O teu silêncio estará traduzido em cada verso que escrevo,
E a tua sombra em cada passo que darei.
Faça-me um favor?
Apague a luz.

Indagação

Pra que falar,
Se há um ruído falho que desmancha as minhas frases

E há um perfume inesgotável preso nas narinas

De quem sabe apenas respirar teu ar?


Pra que falar,

Se no fundo d’água ainda há uma corrente gelada

Já tão fraca quanto os braços tão presos e cansados,

Que ontem nadavam na mesma direção?


Pra que falar,

Quando já não há movimentação,

Onde a inércia forma toda aglutinação

De corpos sedentos por perdão?


Pra que falar,

Se promessas são palavras

E palavras são pedaços de ar que saltam de nossas bocas

Alguém consegue detê-las ou segurá-las?


Pra que falar,

Se teu nome estava escrito na areia seca de um peito talhado
,
Onde uma onda que nasceu do meu pecado

Fez teu nome se apagar?


Pra que falar da vida em que vivemos

Das coisas tão boas que aprendemos

Se eu já não tenho ninguém para escutar?

Pra que falar?