Estava ali, dentro daquele quarto calado e caótico, eu, calado e caótico vendo a noite ruir. Sentei-me na beira da cama como se meus pés não tocassem o chão, e sim as águas mansas de um mar construído por mim, era noite de lua nova e não havia sequer um maço de cigarros no meu criado mudo. De fato a permanência do clima naquela noite me intrigava, eu estava a poucos segundos de uma cena tão intrigante como o clima da noite, ela iria embora depois de longos anos de espera. E ela não era a noite.
Liguei o rádio e esperei que tocasse algum blues que não me lembrasse quem fui, eu que corri por tanto tempo em busca de me livrar de mim como se a minha velocidade corporal deixasse minha alma para trás, e quantas vezes eu nem quis ter alma, e quantas vezes como essa agora eu me pergunto: Quando voltará a minha alma, se é que tenho uma?
São duas da manhã, acabo de ver o relógio. A cidade está toda em movimentos rotativos – resultado da vodka que ando bebendo – na verdade os amores urbanos estão todos lá fora se amando lentamente antes que se acabem, porque eles acabam e não é justo que eles não saibam disso.
Estava eu, olhando pela janela e ouvi um passo estranho e uma respiração ofegante perto dos meus ombros. Ela não era a noite. Ela tinha um cheiro característico e único, que eu sentiria aqui ou em Roma, aqui ou no inferno. Pegou duas malas cheias de mágoas e mentiras e me fez carregar até a porta, sem olhar em meu rosto. Ao tocar em seu antebraço senti sua repulsa e o seu cheiro veio parar dentro de mim como a fumaça do meu cigarro, mas eu já não o posso sentir livremente, e ele se torna parecido com a fumaça do meu cigarro que, mesmo sendo liberada por mim me mata aos poucos. Ela me matava aos poucos e nem sabia.
Então eu levei-a até o elevador e esperei aqueles dois minutos mais longos que se pode haver. Falei – espero que faça boa viagem – ouvi apenas uma respiração decepcionada. Eu já não possuía vocabulário algum para descrever esse momento então vou deixar as minhas reticências nessa parte do meu discurso (...)
Vi um taxi convencional amarelo levar meu sonho para qualquer hotel urbano, dessa cidade de amores urbanos que eu nem sei o nome, de fato, eu nem sei por que estou nessa cidade a não ser por aquele maldito trabalho que arrumei.
Agora são quatro da manhã. Ray Charles toca uma canção que eu não me lembro o nome, mas que me lembra você em cada nota, e são apenas quatro da manhã e lá fora amores urbanos começam, o mundo gira circulando e circulando como o relógio da minha parede tão cansado de me ver vigiá-lo, como se o girar dos ponteiros pudesse se inverter e fazer todo o tempo voltar, e te fizesse voltar junto com manhã passada, mas ainda é noite! E ela não era a noite.
Debrucei novamente na janela – já estava cansado de me manter sentado e inerte – fui ver estrelas. Olhei-as calmamente e por um momento perdi-me na noite, como um anjo. Ora, eu estava longe de ser um anjo, mas foi assim que eu me senti. Só não pude voar por pouco, de fato tive medo da altura da minha janela e o medo sempre foi uma merda na minha vida. Voltando às estrelas... Bom, lá estavam elas, sós e unidas como um bando de ovelhas guiadas por um pastor. As estrelas estavam lá guiadas por, sei lá... Deus! Pela primeira vez eu senti a sua paz dentro da minha veia aorta e tudo aquilo repassava ao meu corpo um desejo de não mais sofrer.
Eram cinco da manhã, e nessa estação o sol aparece mais cedo. Mas ainda era noite e ela não era a noite. Então eu não resisti a mais um gole e deitei-me com as janelas abertas para observar um vento matinal que já podia levar as minhas cortinas brancas até a outra parede do quarto.
Desliguei o rádio e, de repente, senti uma desesperada vontade de olhar a janela novamente.
Lá estava ele – grande e poderoso sol – e eu, tão branco, não o notava mais por tamanho egocentrismo, o meu brilho me bastava e meu peso me ancorou todo esse tempo, mas pela primeira vez depois dessas horas que ela se foi eu me senti livre, leve.
Descobri ao olhar o céu que a noite se vai como ela, mas que a vida é sentida em cada raio de sol e, quando se vive, no mais verdadeiro e amplo sentido que esse verbo possa ter, a noite vem para trazer o descanso, e quem sabe... Me trará ela! Esse meu pensamento coloriu em minha mente a idéia de que a vida é continuidade, e eu já não tinha mais fígado ou ilusões para lapidar esses “pra sempres” que nunca chegam.
Mas, de fato consumado, perante qualquer pieguice de infinito, ela sempre será minha noite, embora já não mais em carinhos, apenas em sonhos.
2 comentários:
Mariii, ameiiii !
Não há dúvidas , você tem o dom !
Precioso e gostoso dom !
Parabéns !!!!
Mariii, ameiiii !
Não há dúvidas , você tem o dom !
Precioso e gostoso dom !
Parabéns !!!!
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