domingo, 4 de julho de 2010

Um pouco mais



Ela estava ali, quase apagada e constrangida. Disfarçava todo o perfume que continha entre a névoa das minhas lágrimas antigas, ela iluminava a porta do meu quarto, entreaberta, ringindo de tão velha.
Eu estava só e ela estava comigo, sorria e acompanhava-me olho a olho, como se cuidasse de mim. Ela me mostrou o que eu era há muito tempo, e eu nem percebi.
De fato ela não iria embora assim tão fácil, até porque uma vez notada, eterna seria. E assim foi. Não há mais como questionar a sua utilidade e nem a carga que ocupa e carrega, ela me abastece de mim mesma, como um refúgio. Já não mais a evito, hoje vivo bem com ela.
Todos os dias pela manhã, ali ela está, sempre ao meu lado. Olha para mim, sinto, mas eu já não a olho a todo tempo, tenho evitado o espelho passado que ela põe em minha frente, a imagem que ela obriga a notar.
Nos dias de chuva ela sempre se torna mais próxima, e eu a lembro quando ouço aquela música antiga, que hoje já nem toca nas rádios, mas grita em meu pensamento.
Lá está ela fazendo parte de mim mais uma vez quando, ao deparar-me com ela, sinto que não estou e nunca fui só, mas hoje eu sei o que ela quis me dizer:

“Estou longe, sei que ainda me sentes perto. Sei que não importa o tempo ou o clima, teu coração estará quente ao se lembrar de mim. Eu não ligo se tu me esqueceres daqui a pouco, antes mesmo que eu me vá, sei que isso é inevitável e, por que não, justo?
Fiz minhas escolhas e carrego o nosso futuro já não tão certo. Já não sei andar ao teu lado sem que te esbarre e te faça cair. Espero que voe para longe de mim, mas que me carregue. Você sabe, eu nem sei voar...”

Lá estava ela, diariamente, me dizendo aquilo que tu me disseste. Era ela, a carta de amor que me cuidava, me sorria, me acompanhava. Que era o próprio vento que ringia a porta, que era o passaporte pra tua lembrança, era a restauradora dos meus sonhos já tão antigos.
Era ela, a carta de amor daquele abril passado, da saudade eterna de alguém que eu ainda não esqueci.

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