sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Rascunho


Rabisco, rabisco, rabisco. Eu vivo presa em todo risco. Caricato, eu vivo de ato, eu sou quase um rascunho espalhado de dez páginas vazias, como a neblina. Eu desenho um rosto sem foco, perco o esboço para pintar o fim de cada segundo, e tudo que sou é parte do abstrato do mundo.

Vejo os dias pintando vales, telas de aquarelas que não são de ninguém. Os dias correm e cortam sentidos, nos tornam vivos e partes de alguém. A cor de cada sorriso é única, assim como os pássaros que vivem em bando. Eu crio, descrio e recrio e sou parte de toda e qualquer criação. Vejo meus olhos em horizontes distantes, meu corpo nos montes e a minha vontade, nas nuvens. Eu sei que, por vezes, habito os mares, me entrego às estrelas tão distantes, onde nenhum homem poderá tocar jamais. Eu fui gerada na barriga das ondas, tão circulares e impiedosas. Aprendi desde já que qualquer cor pode me pintar, porque na verdade, cores são luzes.

Nunca vi habitar em mim sentimentos amenos, pequenos. Vi nascer e morrer a chamada esperança, eu a vi ainda criança querendo brincar.

Eu perco o passo de qualquer dança, sobrevôo o espaço, pego no ato cada qual segundo que vive. Eu vejo aqueles corações tão perdidos e inférteis, e temo jamais colori-los.

A vida então apaga alguns instantes.

A luz que há em mim não passa da cor do papel, tão branco, diante das minhas mãos. Ele me chama, linha por linha, e elas se molham da água que há nos olhos ao lembrar por onde andei pintando.

Todo risco, seja forte ou fraco, deve ser observado. Há graça nas mais simples coisas.

O meu caminho é transfigurado, como tinta de um pincel diluída em copo de água. Sinto que não importam quantas telas sejam pintadas, nem o motivo pelas quais se apagam os pequenos traços, a água sempre nos torna limpos como o pincel, assim como somente o tempo é capaz de transformar os mesmos pequenos traços em arte final.

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