A saudade vem alada lembrar-me de tudo que vivi. Hoje nesse dia quente e de lua bonita, eu debruço no batente da janela – só há som de orvalhos minuciosos que caem e batem em minhas pálpebras – tudo está mais belo nesta noite que desce e que se esconde na vida que eu mostro, na significação de ser o que sou.
E por ser o que sou que hoje estou aqui.
Lembro-me claramente de um menino que me assombrava e ao mesmo tempo dava-me a mão para que eu não tivesse medo. Do carinho de uma mulher que daria a vida por mim sem ao menos ter visto meu rosto. Das palavras de um homem que sabiam chegar até mim como uma ponte entre um cérebro e outro, mesmo sendo completamente em vão pensar assim. Era um só coração em corpos distintos!
Dei então meus primeiros passos, meus tropeços, minhas quedas, falei as primeiras palavras, descobri carinhos e sentimentos diferentes. Tive os melhores amigos passageiros, sabe aqueles rostos que você vê em foto e de repente – um surto apenas de memória – de repente você se transporta aos risos mais sinceros e às brincadeiras mais divertidas. Com um tempo eu os esqueci, confesso que deixei de lembrar os nomes de imediato, mas lá estavam os meus amigos, girando numa roda de ciranda em minha mente, e eles ainda giram, a gente ainda brinca pelo tempo que passa sem a menor graça.
Eu aprendi muito. Cada dia eu aprendo algo novo que coleciono nesse corpo que, às vezes, parece tão sem importância – como neste momento aqui, vendo a lua tão bela no céu e tão grandiosa diante de mim – mas então, eu recordo-me que há um mundo em mim, que minha alma é paisagem perdida, é um oásis esse meu coração! As minhas palavras são como um córrego de águas frias e cristalinas, os meus gestos como um relevo desordenado e meus olhos como o horizonte que recosta no mar, tão cansado de ser eterno.
Diante disto vejo o quanto sou diferente agora. O quanto plantei e semeei durante todo esse curto e longo tempo. As folhas no calendário são inúmeras, as que caíram das árvores em tantos outonos, incontáveis. Eu fui mestre na arte de sobreviver do meu próprio jogo, a cantar o meu próprio enredo e a chorar as minhas próprias ruínas, de coisas que eu mesma ajudei a destruir. Eu construí tanto nesse período. De pequenos muros desajeitados numa sala de aula à amizades que levarei para vida inteira. Hoje sou grata a mim, também, que não desisti de lutar e me impor, e de buscar a força e a verdade que grita em mim, não para revelar aos outros, mas para deixar que ela me revelasse.
Lembro-me de quando tive medo de não ser feliz novamente, como se a felicidade tivesse um custo, um nome, apelidos e endereço... e ela era minha hóspede que, até então, vivia dentro do coração de outra pessoa, eu chamei-a para mim, porque a nossa felicidade deve ter nossa cara e nosso nome, e deve morar apenas dentro de nós, independente das circunstâncias. Dar a felicidade que há em si para outra pessoa, é arriscar perdê-la, porque pessoas são como pássaros imigrantes e felicidade deve ser como uma âncora eterna.
Hoje vejo o quanto já olhei nesta vida. Quantas vezes nos olhos me bateu forte o coração? Quantas vezes perdi a vergonha ao olhar fixamente e deixar que uma imagem se perpetuasse na minha lembrança, para poder apagar as saudades que em mim havia?
O quanto vi gente chorar, sorrir, brincar, morrer, nascer, cair, perder... Quantos verbos ainda cabem dentro dos meus olhos?
E é ai que a magia de nascer, todo ano reaparece. Nada muda. O dia vira, a noite que está lá fora cai. As estrelas brilham como todos os dias, mas hoje... hoje é dia de celebrar a minha vida.
E eu tenho o prazer em poder sentir que não estou aqui perambulando, nem tenho a missão de ver a banda passar e aplaudir.
Eu me desfaço por onde passo, e sei que um dia eu também hei de ruir.
Mas hoje com os olhos fixos no espaço,
eu descubro ser também um pedaço
de estrela a luzir.
Um comentário:
Pra quem aos dezessete não tinha beijado tantas bocas e nem plantado uma árvore,aos dezoito já percebeu bastante coisa e já associou-as com os buracos da lua!
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