sexta-feira, 30 de abril de 2010

Fotossintaxe

Tudo. Tão grandioso e perigosamente magnífico, às vezes, o tudo é um nada sem fim. Havia um riso, uma respiração profunda, uma admiração infindável, mas... Ora, ora! Tudo finda.
A rosa, tão bela e preciosamente guardada na velha caixa, hoje se encontra seca, despetalada, porém não fora deixada de lado. Ela ainda me vê dormir e acordar, dia após dia, sem você aqui.
Quantas vezes a vida que eu te dei, que eu te nomeei, qualifiquei... Quantas vezes desta vida eu não cuidei? Quantos nãos estão lá fora batendo na porta, loucos para me contar mentiras tão lindas como são as palavras de amor? Ai daquele que nunca as disser. Não há engano, não há borracha. Se há sinceridade no que foi escrito, deixa-te que o tempo apague se as palavras já não contêm a verdade absoluta de sentimentos que jamais serão absolutos. O tempo não nos muda, mas nós mudamos para recriar o nosso tempo ideal.
As palavras então perdem o seu sentido, não o semântico, lexical, sintático. Elas perdem o sentido direcional, podem correr pelos ouvidos, ser admiradas pelos olhos, mas elas não falam alto ao coração de quem não mais as reconhece.
Deixe-se espalhar como as palavras, não tenha medo de que um dia elas não passem de simbologia, de um registro de um tempo em que elas tornavam infinitos os sentimentos. São pequenas vítimas das nossas mãos e do relógio na parede, elas não têm o poder de emocionar se não encontram o alvo certo. Talvez as palavras que eu teimo em não apagar já estejam completamente apagadas. Elas andam loucas, sendo reescritas de forma incontrolável, místicas, eu diria. Não mais pelas minhas mãos.
As cartas já não chegam, os poemas já não tem o seu nome implícito nos títulos, as rimas e as estrofes não têm mais o gosto do teu beijo, as palavras moram na casa da saudade em que eu visito sempre que posso. Eu já não posso, não é mais justo deixar de escrever novas linhas para continuar a ler linhas antigas.
Lembra-se da rosa? Do tudo que tu eras? Da vida que um dia eu te entreguei? Da lua lá fora, tão branca, que te fazia lembrar-se de alguém? Pois bem, hoje tudo isso não passa de velhas palavras.
Hoje, ao acordar, resolvi jogar os vestígios da flor no lixo, mesmo que eu ainda a visse nascer e crescer dia após dia dentro de mim.
Há flores novas pelo mundo, há palavras ainda não escritas.
E há flores que ainda escrevem sem qualquer razão.

Um comentário:

Camilla Bordallo disse...

"Talvez as palavras que eu teimo em não apagar já estejam completamente apagadas. Elas andam loucas, sendo reescritas de forma incontrolável, místicas, eu diria. Não mais pelas minhas mãos."

Adorei o texto. Adorei o trecho.