Não há dor neste mundo que se compare a da perda de um irmão. Não, eu tenho apenas um irmão e este ainda vive sob os cuidados e reprovações dos meus olhos.
Neste abril eu vi morrer dezenas de irmãos, são irmãos primos, irmãos pais, irmãos tios, sobrinhos, filhos, desconhecidos. Irmãos mães, irmãos irmãos.
Não havia um rio de janeiro, havia um mar de abril. As gotas de chuva do céu, das quais eu, como minúscula falante sempre admirei, sempre me comparei ao desejar o toque sutil nas pessoas, a desejar esta capacidade de regar cada folha verde, de abastecer tanta gente que sente sede, de lavar este chão tão sujo de passos de gente, esta mesma chuva que sempre me foi um espelho, por ser ela capaz de estar, ora ao chão, ora nas nuvens, esta mesma dizimou centenas de irmãos.
Pergunto-me, ainda que desnecessária e inutilmente, o que fizemos nós para merecermos tal punhalada nas costas?
Espero, ainda que desnecessária e inutilmente, uma resposta que caia dos céus e que não venha em forma de pingos, mas de palavras de conforto para poder escrever a todas essas pessoas, a todos aqueles que, de uma forma direta ou indireta, não entende porque seus irmãos foram levados, soterrados, mortos.
Se nós procuramos tanto o real sentido da vida, devemos nos atentar à morte. Não há conhecimento sobre ela, apenas um bando de especulações que nós criamos para preencher essa incapacidade do homem de não saber nada, nem sobre sua origem, nem tão pouco sobre seu fim.
Fim. E como saber aonde termina a linha do horizonte, aonde se dobra a última curva da estrada, e em qual página do calendário se é marcado o último dia?
Não há como estancar este mar que hoje desaba sobre a flâmula, já encharcada, não de pingos de chuva, mas de lágrimas órfãs.
Há um gigante e sua própria natureza, e esta mesma natureza se torna gigante diante de nossa querida mãe gentil.
É debaixo deste solo que, veja só, estão tantos filhos deste solo! Filhos que não eram tão queridos por esta ‘mãe gentil’, filhos bastardos, deixados de lado, que hoje moram no coração desta mesma mãe, que só os valorizou quando os perdeu.
Hoje, seus filhos estão deitados eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e a luz do céu profundo, aguardando a vinda de um ser divino para levá-los, quem sabe?
Não se sabe, não se questiona, não se deve acusar um ou outro pelo problema que a sociedade mesmo cavou e hoje, não consegue escavar. Um problema montado pelo sistema que desfavorece o filho mais pobre, que privilegia o que tem poder. Um problema de todas as classes, de não se importar em perceber a incrível e notável diferença entre ruas e lixeiras, há pessoas que as tratam da mesma forma.
Há de se honrar este chão, de amar esta pátria no sentido mais amplo desta expressão. O Brasil não é fruto de um gol em copas do mundo, tampouco da beleza de suas mulheres, ele deve ser visto da camada mais baixa e suja àquela que se diz tão limpa e rica. Os meninos de bem hoje moram nas ruas e, por discrepância do destino, se tornaram maus. Há meninos maus em coberturas milionárias. Há um povo invisível vivendo à margem de uma sociedade que só os enxerga como votos em eleição, este povo não é ouvido, apenas quando seu choro e sua dor são tão altos, um brado, e ecoam e comovem cada pedaço de solo deste país.
Há um povo heróico em que o grito é retumbante! Hoje, de manhã cedo, ao abrir a janela não havia mais aquela terrível, porém necessária, chuva. O Rio havia se iluminado ao sol do novo mundo.
Mas é uma lástima que os nossos bosques já não tenham mais tanta vida.
2 comentários:
"É debaixo deste solo que, veja só, estão tantos filhos deste solo! Filhos que não eram tão queridos por esta ‘mãe gentil’, filhos bastardos, deixados de lado, que hoje moram no coração desta mesma mãe, que só os valorizou quando os perdeu.
Hoje, seus filhos estão deitados eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e a luz do céu profundo, aguardando a vinda de um ser divino para levá-los, quem sabe?"
ME FEZ CHORAR , MALVADA.
O texto todo está belissimo, mas esse trecho se destaca de tão lindo que esta.
Beijos escritora!
O mar do céu que é cruel é repleto de tubarões, que comem pequenos peixes dourados que só queriam viver.
Teus últimos parágrafos me fizeram lembrar da música "Numa Cidade Muito Longe Daqui" do Leandro Sapucahy.
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