sábado, 5 de junho de 2010

O despertar das borboletas



Essa é uma história de amor diferente de todas as outras.
Lucíola tinha apenas treze anos, e se encontrava órfã há alguns dias. Seus pais haviam morrido de forma surpreendente, envenenados por uma espécie de agrotóxico utilizado na salada feita por dona Margarete, mãe de Lucíola. Até hoje não entendem direito como a menina sobreviveu àquele almoço, mas não entraremos nas vias investigativas da história.
A questão é que Lucíola teve de deixar a pequena e pacata cidade de São João do Paraíso para viver com sua avó paterna – único parente que lhe restara – pois bem, não haveria de ser tão ruim se a velha não fosse uma verdadeira bruxa, sem verrugas no nariz.
Era treze de julho quando Lucíola embarcou para a capital do Rio num ônibus velho e caindo aos pedaços. O caminho parecia eterno, longas horas de viagem avistando uma paisagem, ora verde, ora verde, e... Ora verde. Quando de repente! Ah, era apenas um quebra-molas. O desejo de Lucíola era que o ônibus tivesse atropelado algum gado pela estrada, para que ela pudesse observar algo mais aventuresco em sua viagem tediosa.
Lucíola nunca foi uma criança fácil. Era mais esperta que as demais, tinha os olhos atentos e as mãos inquietas, ela mexia em tudo e nunca se dava por satisfeita. Seu pai a chamava de abelha rainha, pois ela comandava o grupo da bagunça das crianças das redondezas de onde eles viviam.
Mas ela já não era mais criança. Seus treze anos lhe renderam pequenos seios, algumas espinhas e cólicas mensais; rendera-lhe também uma vaidade sem tamanho, ela já não gostava de sair sem olhar os cabelos no espelho – Lucíola tinha belo cabelo encaracolado, bem claro nas pontas, como raios de sol.
 A viagem estava cada vez mais triste, sem emoções e, para piorar, chegando ao fim. Ela estava bem próxima de seu destino, a casa da vovó Iolanda. Nos trinta e últimos minutos finais de sua viagem, eis que surge uma voz lhe dizendo:
- Posso me sentar, senhorita?
Naquele momento, Lucíola havia pensado se era ela mesma a senhorita em que aquele belo menino de olhos azuis se referia. Num súbito momento, ela respondeu com toda sua sutileza característica:
- Por que queres se sentar aqui agora? Faltam alguns minutos para desembarcarmos. Você não esteve de pé este tempo todo, não é? Por que não permaneceu no seu lugar?
O rapaz então, assustado com o rompante de Lucíola, respondeu:
- Eu estava sentado ao lado daquele senhor – ele aponta para um homem bem velho – mas ele estava me chateando, querendo contar-me coisas que eu tenho certeza que são mentiras. E ele também tosse a todo instante, não quero chegar ao Rio trazendo algum tipo novo de Rota Vírus.
- Pelo tempo que você esteve sentado ao lado daquele velho, já pode muito bem estar contaminado, agora o seu plano maligno é transmitir os seus vírus para mim? – respondeu Lucíola, que estava tão brava, pois não conseguia conter a vontade de lhe conceder o lugar de uma vez, por conta daqueles olhos azuis.
- A senhorita me parece bem esperta, mas não terei motivos para lhe querer mal, apenas se não me ceder o lugar ao seu lado.
Pois bem, Lucíola sorriu pelo canto da boca, sem deixar que ele notasse e levantou sua mochila azul que ocupava o banco ao lado.
- Perdão, eu não apresentei. Sou Dimitri.
- Prazer, o meu nome é Lucíola, mas pode me chamar de Luci.
A emoção da viagem estava se iniciando a partir dos cumprimentos. Lucíola nunca quis tanto que a hora se perpetuasse para que pudesse ouvir mais de Dimitri.
- Então, Luci, por qual razão está indo ao Rio? Perguntou Dimitri, com um belo sorriso esboçado.
- Meus pais faleceram comendo salada no almoço, há uma semana. E eu estou indo morar com a minha avó Iolanda. Lembro-me apenas dos Natais que passei em sua casa, ela não me deixava comer os bolinhos que ela fazia quando eles saiam do forno, porque dizia que eu era muito má para comer bolinhos. Ela não gosta de mim porque eu deixei o seu gato Michel fugir quando eu tinha seis anos. Na verdade eu tenho um plano: eu pretendo fugir. Só não sei o que vou fazer ainda com os cruzeiros que meus pais me deixaram, mas penso em comprar umas passagens para Paris. Sempre quis conhecer Paris...

(sem previsão de nova postagem desse conto)

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