sábado, 19 de setembro de 2009

Casulo particular


Juro dizer a verdade. Nada mais que a verdade.

Hoje já não me importo mais com as faces que escondi por tantos anos, e nem me envergonho pelo eu que carreguei nas costas pela vida.

A poeira então desceu dos meus braços e revigorou em mim o bronze coberto pela sujeira de tanta lama que juntei na estrada.

Soprei lá do fundo do pulmão e libertei meus vícios, minhas angústias, minhas mágoas.

Nessa terra de gente que não perdoa eu lavei muito chão de ouro, e vivi muito tempo sob chão de barro, mas quer saber? Isso não era o que mais doía.

A dor mais intrigante era aquela sutil e pequena dor na alma. Dor da perda, da falta. Ah, essa sim doía muito!

Tive que admitir que nós viemos ao mundo sozinhos em nossos casulos, e isso me era perturbador. Era demais pra mim.

Queria que nessa vida eu pudesse habitar no peito de todos, fazer moradia perpétua...

Nunca fui cigana e tão pouco nômade, eu sempre me ancorei nos mares mais perigosos e acreditei até o fim que fosse bem-vinda.

E a ferida que se abre com sorrisos hipócritas é uma das chagas dessa dor da falta que atinge a alma. E pra que? Por quê?

É, vivi por isso. Até hoje não sei ao certo se as pessoas sentem necessidade de atuarem na vida, ou se a vida é uma grande peça pra poucos atores. Eu nunca soube atuar muito bem.

Uma vez mamãe me disse que conhecia minha cara de mentira – eu sempre esbocei um sorriso manso e discreto no cantinho da boca, com as mãos no cabelo e um desvio de olhar que era inegável. Ela sorria e dizia – ‘pode me dizer a verdade agora, pois na mentira eu já acreditei. ’

Mamãe sabia que a vida era dura. Sabia que uma hora ou outra eu ia descobrir as verdades sobre alguns sorrisos, alguns abraços, alguns beijos. Ela só não me avisou que seria tão duro. Até Judas vir me beijar.

Até o aperto de mão corroer os ossos e o abraço esmagar meu peito como uma prensa.

Eu precisava sentir na derme, na epiderme a dor que essa chaga trazia. E eu senti.

E o trauma foi grande, admito. Passei metade da vida tentando conhecer a pessoas antes de esperar suas reações. Em vão.

Elas precisavam temer. Só assim eu as conheceria. Em meio à necessidade é que lagarta vira borboleta, que sabe a hora certa de voar.

E eu quis voar cedo demais. Na primeira tentativa eu me vi indefesa, até quis voltar, mas eu já estava no céu diante de pássaros gigantes, assustadores, eu diria.

Já não havia mais mamãe, papai... Era eu por eu. E o medo por mim.

E quantas quedas eu sofri... Quantos caminhos errados segui.

Tanta gente perversa eu confiei.

Os sorrisos eram tão reais... Seria cruel demais eu desconfiar de gente tão boa.

Seria mesmo, mas a vida é cruel.

Eu não vim armada, protegida, tampouco com estratégia nas mãos.

Vim só com os vestígios do casulo ainda presos às minhas asas, algumas dezenas de conselhos clichês e a saudade de casa.

Casa... Ah! Que vontade de voltar...

Esconder-me dos cruéis, das ciladas, das aves gigantes, dos atores.

Filtrar cada sorriso, cada palavra. Absorver só as que transpareçam sinceridade.

E como saber se os que elas transparecem, de fato, são transparentes?

Eu nunca soube. Nunca fui boa atriz. Não distingo uma boa mentira de uma má verdade. Mas já sei me proteger,

E dessa vez não foi mamãe quem me ensinou...

Foram os medos das aves gigantes e dos atores cruéis.

A eles sou grata pela experiência adquirida,

E sou ressentida pela dor sutil e lenta que eles me causaram.

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