Havia uma página em branco, mãos atentas, um par de olhos castanhos ainda lagrimejantes, e um coração nas mãos. Eu havia acordado de uma vez para a vida que já passava por mim há meros dezessete anos. Não havia plantado nenhuma árvore, nem beijado mais de meia dúzia de bocas. Era calma e presa, e ao mesmo tempo forte e livre como uma tempestade. Já era hora de chover. Vim formando nuvens por esse tempo, o dia era tão lindo ontem. E o ontem acaba, eu descobri isso hoje, agorinha mesmo, quando ao olhar lá fora, vi alguém de costas dando adeus para mim. Havia de fato passado uma página. A minha vida estava sendo tratada como uma página só, eu espremia tudo, inclusive meus sentimentos, para que eles coubessem nela. Cuidei para que não amassasse, escrevi até o rodapé e acabou o espaço. Ao olhar pro lado, lá estava a página em branco. No momento, eu senti muita tristeza, eu havia de mudar a página e o que havia sido escrito, ficaria para trás. Quis espremer ainda mais, e consegui dizer um ‘te amo’ bem no finzinho da última linha. Até conseguiram ler, pode ter até se comovido ou acreditado, mas havia acabado o espaço para respostas. Prefiro pensar assim.
Então, do branco se fez o novo. Insegurança, medo, talvez. Mudanças são sempre mudanças, e se você irá sofrer, aprender ou melhorar, apenas as novas escolhas te farão saber.
A minha vida não estava resumida às antigas linhas. Ela é um livro inteiro, que eu, eu mesma tenho a dor e o deleite de escrever à caneta da tentativa e coragem. Não há borracha que apague nada, e corrigir os erros não está na folha de trás, mas na folha seguinte. Olhar pra trás, geralmente, é perda de tempo. Tudo ali já foi escrito, e abaixo haverá sempre uma nova linha esperando continuação.
Então eu resolvi escrever naquela folha em branco. Na verdade, bem verdade mesmo, eu quis rasgar o livro inteiro e guardar a antiga folha comigo, mas então eu seria um pequeno conto, um minúsculo capítulo. Eu não. Eu quero ser todo um livro e pretendo descobrir as palavras para escrever pelo caminho.
Acordei e me entreguei novamente a rotina. A rotina da cama, café, TV, ônibus, pessoas, pessoas, ônibus, TV, café, cama. E tudo quanto eu havia feito ou pensado, era algo novo.
Era delicioso pertencer ao novo. Me senti leve, dona de um mundo inteiro. Tudo bem, é uma grande besteira, mas foi assim que me senti.
Então esperei anoitecer, abri bem a janela e os olhos. Lá no céu eu via um misto de nuvens e estrelas, e vi que das nuvens desciam gostas d’água. Enfim havia chovido.
Aos poucos as estrelas estavam escondidas pelas nuvens carregadas de pingos, e dentro de mim havia nascido uma nova luz. Um dia eu quis ter vindo ao mundo estrela. Eu as via lindas, reluzentes e firmes no céu. Hoje vejo o quanto elas são constantes, rígidas e inatingíveis. E eu quero o prazer da mudança e do toque. E assim são os pingos da chuva. Não importam a altura e nem o número de vezes que eles caiam, o ciclo da água sempre permitirá que eles retornem às nuvens.
Um comentário:
Terminou o poema muiiito bem e que pena que as estrelas agora parecem mais rígidas e inatingíveis ninguém pode "durar" para sempre, talvez nem seja tão ruim assim porque o recomeço pode ser tanto agradável quanto o própio começar.
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